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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Desacato, mera crítica, ou exceção da verdade

    É isso ai caros leitores, quem de nós nunca se deparou com aquelas plaquinhas em departamento de serviço público com a seguinte descrição: Desacato (art. 331 do Código Penal) "Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Pena - detenção de 6 meses à 2 anos, ou multa"? Pois é, entenda as razões dessa informação (em alguns casos para não dizer maioria, é mais intimidação mesmo) nas repartições públicas e saiba como se proteger dessa intimidação legal.

    Fato é que, não só em repartições públicas encontramos esses avisos que na maioria das vezes serve mesmo mais para constranger o cidadão a não criticar o trabalho do servidor público, como também nas ruas policiais se utilizam desse dispositivo legal para prender cidadãos (sem generalizar, pois, em muitos casos a pessoa realmente merece ser detida) que questionam certos abusos.


    Assim, nos cabe primeiramente dizer quem é o funcionário público, sendo, para Plácido e Silva, Ed. Forense, 3ª Ed., pág. 331, aquele que, no sentido da lei brasileira, é a "pessoa que está legalmente investida em cargo público. E, desse modo, toda pessoa que exerce cargo criado por lei, em número certo e denominação própria, remunerado pelos cofres públicos". Dessa foma, aquele funcionário que não prestou concurso público, mas, ocupa cargo público (de confiança por exemplo) também é considerado funcionário público.

    Em arremate, podemos citar ainda o disposto pelo próprio Código Penal no que concerne a acepção que se tem sobre quem vem a ser o funcionário público para o Direito Penal. Vejamos então o disposto pelo referido dispositivo legal a fim de melhor elucidar a questão:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal.

    Note assim que, pelo caput do artigo já se tem claro quem é o funcionário público para o Direito Penal, de modo que, para o Direito Penal a denominação é mais ampla, não se exigindo assim que haja a remuneração, de forma que um depositário nomeado pelo juiz, por exemplo, é considerado servidor público para o Direito Penal.

    Pois bem, superado rapidamente o conceito sobre quem vem a ser o funcionário público, vejamos agora o que vem a ser o desacato nos moldes do art. 331 do Código Penal (CP), assim, considerando-se desacato a falta com o respeito devido à alguém, desprezar, afrontar ou vexar por exemplo. Para Nélson Hungria:
"A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário público. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos, etc."
    Ou seja, gritos graves como aqueles proferidos em óperas por grandes barítonos são permitidos! Mentira, desculpem não pude evitar a brincadeira, mas, o resto é sério, sigamos.

    Desse modo, já se deduz que a crítica ou censura, desde que não sejam injuriosas, difamatórias ou caluniosas, ainda que veementes, não constituem desacato.

    Aqui temos então a mera crítica ao serviço público, de forma a não desacatar o funcionário público e que, portanto, não constitui o crime previsto pelo art. 331 do CP. Exemplo: cidadão chega à uma repartição pública e cobra celeridade nos trâmites burocráticos alegando que já esteve antes lá para cobrar a mesma informação e que o processo ainda não andou nada. Trata-se de uma crítica pura e simples, pois, o cidadão apenas está observando uma deficiência no serviço público, informando e cobrando sua melhoria, pois, é para isso que pagamos impostos.

    E se por acaso, depois ter ido muitas vezes na mesma repartição pública solicitar a resolução de um certo problema e nunca lhe deram as informações corretas ou, sequer houve qualquer alteração no trâmite, você acaba perdendo a paciência e, literalmente, "roda a baiana", chama a todos de incompetentes, de lerdos, negligentes, de vampiros sanguessugas que só querem mamar nas tetas do Estado e etc. o que acontece?

    Com toda certeza esse caso não se trata de uma mera crítica o censura não é? Isso deve ficar bem claro. Mas, então é desacato? Depende.

    Tomaremos o exemplo dado anteriormente para explicar. Se você "chama a todos de incompetentes, de lerdos, negligentes..." não está incorrendo no crime de desacato, entretanto, se você prossegue em sua verbalização chamando os funcionários de "vampiros sanguessugas que só querem mamar nas tetas do Estado" dentre outras acusações caluniosas, injuriosas ou difamatórias aí você estará cometendo o crime de desacato, entretanto, mesmo na hipótese de você ter caluniado ou difamado (não cabe para a injúria) funcionário público, existe a possibilidade de se isentar da culpa caso o fato calunioso ou difamatório seja verdadeiros, caso em que será oportunizado a você provar o fato alegado por meio do instrumento denominado como Exceção da Verdade. (art. 138 e 139 do CP).

    O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) define a Exceção da Verdade:
    O crime de calúnia consiste na falsa atribuição de fato definido como crime a alguém. No crime de calúnia, admite-se a prova da verdade a respeito do fato imputado (art. 138, §3º, CP). Caso seja verdadeiro o fato atribuído, não há que se falar em calúnia. Dessa forma, o acusado se isenta de responsabilidade por meio de instrumento de exceção de verdade, ao demonstrar que o fato atribuído é verdadeiro.
    O crime de difamação consiste na imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação. Embora, regra geral, a difamação também se constitua por imputação de fato verdadeiro, permite-se a exceção da verdade nos casos em que o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício das suas funções (art. 139, parágrafo único, CP).
    Então, se você profere palavras de baixo calão contra um funcionário público e essas ofensas não tiverem qualquer relação com as funções desse servidor, você estará desacatando-o. Entretanto, se você imputar fatos criminosos (em tese caluniosos) ou que constituam má reputação (em tese difamatórios) ao funcionário público, você não estará cometendo nenhum desacato, a não ser que não consiga provar o que alegou. Esse entendimento, quanto à utilização da exceção da verdade não é válido para o crime de injúria.

    Fato é que, temos funcionários públicos bons, que fazem ou tentam fazer seu trabalho de forma correta e, digo tentam, porque a eficiência do serviço público não depende somente de um funcionário, mas, de uma equipe, assim como o mecanismo de um relógio, se uma engrenagem não funcionar o relógio pifa, da mesma forma ocorre no serviço público, a máquina como um todo deve funcionar corretamente para que o serviço seja eficiente. Assim como temos também maus funcionários públicos, que realmente não querem fazer nada e se pudessem apenas registrar seu ponto (como muitos o fazem) e não mais trabalhar assim o fariam.


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